Há milênios, existia o céu, e de lá nos observavam o(s) deuse(s) em sua onipotência. Na falta de maior conhecimento e melhores explicações, essa era a verdade. Anos se passaram e hoje é fato que o céu não existe. Trata-se apenas da imagem formada pela nossa percepção do infinito que se encontra sobre nossas cabeças. As religiões então se adaptaram e transformaram em simbólico o que antes era literal. Da mesma forma: o homem surgiu do barro e a mulher de sua costela... Vieram então Darwin e a seleção natural e de repente tudo que era fato virou metáfora. E assim poderíamos continuar por páginas e páginas com exemplos de mitos, das mais variadas devoções, que hoje são tratados pelas pessoas que neles acreditam como alegorias, mas que há relativamente pouco tempo atrás eram interpretados com a mais inquestionável seriedade.
O design inteligente e o deísmo, entre outras idéias, nada mais são que tentativas de relativizar as descobertas trazidas pelo pensamento racional. É um direito que o pensamento supersticioso concede a si mesmo. Um direito que o ceticismo não pode ter, pela sua própria definição. Se uma nova descoberta desmente um conhecimento que se tinha previamente, não se pode simplesmente adaptá-lo para apaziguar ambas as concepções. A não ser que surjam novas evidências, a prática anterior é abandonada. Se um estudo comprova que um remédio que é amplamente utilizado não traz benefícios - ou mesmo traz malefícios - seu uso é suspenso pelo menos até que novas evidências, mais sólidas, apontem que a primeira ação era correta. Como diz o ditado britânico: "in for a penny, in for a pound". Ou seja: não se pode realizar um processo pela metade, aproveitando-se apenas de suas consequências benéficas ou inofensivas.
A ciência, de fato, não é ateísta, como alguns por vezes equivocadamente apontam. Ela, na realidade, ignora por completo a hipóteses religiosa, pois essa não faz diferença alguma para o processo investigativo. Mas o conhecimento adquirido através do método científico constantemente se coloca em posição antagônica em relação às filosofias pregadas por boa parte das crenças místicas. Estas últimas, por sua vez, vão progressivamente moldando suas "verdades" para que estas escapem a esse conflito (ao menos aos olhos de um observador menos atento).
Esse processo parece vir acontecendo há séculos e explicaria o surgimento do protestantismo, por exemplo. A crença na transubstanciação foi abandonada, mas o deus onipotente sentado em seu trono supremo exigindo uma adoração ritualística permanece lá. Nos últimos anos, porém, tenho a impressão de que está havendo uma inversão. Cada vez mais as religiões parecem endurecer seus dogmas sem se preocupar em desafiar a racionalidade. Um exemplo: enquanto a biologia e a medicina vêm demonstrando de forma cada vez mais convincente que o homossexualismo nada mais é que uma variante da sexualidade normal e, mais do que isso, que não se trata de uma uma escolha pessoal, a maioria das doutrinas (especialmente as cristãs) insistem em tratar esse comportamento como vergonhoso e até mesmo patológico, passível de "correção".
O pior, contudo, não é isso. Mesmo noções que aparentemente estavam devidamente solidificadas dentro da cultura humana vêm sendo questionadas de maneira assustadora. O exemplo mais latente é a teoria da evolução das espécies através da seleção natural. Mesmo tendo sofrido inevitáveis complementações ao longo do tempo, são raríssimos os pesquisadores que discordam seriamente de seus aspectos mais importantes. Temos visto, porém, todas as formas de distorção de conceitos e evidências na tentativa de desacreditá-la, em nome da retomada do criacionismo. É impressionante a quantidade de indivíduos que, mesmo com acesso ao conhecimento científico, acabam por manter suas crenças místicas em primeiro plano.
Ocorre, portanto, uma situação preocupante: mitos, que já foram verdades, tentam de forma cada vez mais escancarada retomar o status anterior.
"O céu é só uma promessa..."