sexta-feira, 15 de julho de 2011

A Sopa de Pedra ou: Uma Metáfora Sobre o "Poder da Oração"

    "Um frade pobre, que andava em peregrinação, chegou a uma casa e, orgulhoso demais para simplesmente pedir comida, pediu aos donos da casa que lhe emprestassem uma panela para ele preparar uma sopa – de pedra... E tirou do seu bornal uma bela pedra lisa e bem lavada. Os donos da casa ficaram curiosos e, de imediato, deixaram entrar o frade para a cozinha e deram-lhe a panela. O frade colocou a panela ao lume só com a pedra, mas logo disse que era preciso temperar a sopa... A dona da casa deu-lhe o sal, mas ele sugeriu que era melhor se fosse um bocado de chouriço ou toucinho. E lá foi o unto para junto da pedra. Então, o frade perguntou se não tinham qualquer coisa para engrossar a sopa , como batatas ou feijão que tivessem restado da refeição anterior... Assim se engrossou a sopa “de pedra”. Juntaram-se cenouras, mais a carne que estava junta com o feijão e, evidentemente, resultou numa excelente sopa. Comeram juntos a sopa e, no final, o frade retirou cuidadosamente a pedra da panela, lavou-a e voltou a guardá-la no seu bornal... para a sopa seguinte!" [1]

    Essa fábula me foi apresentada durante o período em que vivi em Portugal, há cerca de dois anos. Imediatamente me veio à cabeça que ela pode servir de maneira muito propícia como uma metáfora para explicar parte do fenômeno sócio-cultural da religião. O fato de seu personagem principal ser um frei foi apenas uma fortuita coincidência.
      É fácil perceber que a tal sopa tranquilamente poderia ter sido preparada sem o uso da pedra, tendo esta servido apenas como a desculpa do sacerdote para ter acesso aos verdadeiros ingredientes. Da mesma forma, o indivíduo religioso, quando confrontado com um problema, tem como primeiro instinto recorrer ao "poder da oração". Se perdeu algum item de valor, por exemplo, recita o responsório de Santo Antônio. Se o problema é urgente, a solução é a oração de Santo Expedito. Se há doença na família, basta clamar pela intervenção da Virgem Maria, em alguma de suas formas místicas. E assim sucessivamente. E não são poucas as vezes em que as adversidades são efetivamente superadas. Mas a grande questão é a seguinte: sem essas iniciativas, seria o desfecho semelhante? Sem a pedra, seria possível fazer a sopa?
      O fato é que na vida de qualquer pessoa os eventos não podem ser sempre favoráveis; não são muitos, porém, os percalços que tem a capacidade de ser devastadores a longo prazo. Superamos a maioria deles por meio de nossas próprias ações, ou seja, de maneira natural. Não conheço nenhuma pessoa, religiosa ou não, que tenha encontrado um objeto perdido sem tê-lo procurado (ou sem que um terceiro o tenha feito). Aquelas que rezaram enquanto trabalhavam na resolução de seus problemas tenderão a interpretá-la como graça divina. E são esses "pequenos milagres", penso eu, que acabam por justificar as crenças em poderes sobrenaturais. Os "grandes milagres", como pessoas que sobrevivem a doenças incuráveis, por exemplo, ficam apenas na imaginação, pois muito poucas pessoas - muito provavelmente nenhuma - realmente os presenciou. 
     E quando tudo realmente vai mal e a adversidade persiste? A religião, para esses casos, tem uma explicação bastante conveniente (e, no mínimo, desumana): falta de fé. Nesse caso, lemos nas entrelinhas: culpa tua. Mesmo que tenha acreditado com todas as suas forças (e não entenda como isso pode ter ocorrido), a pessoa fica com a responsabilidade em suas mãos. No fim das contas as coisas acontecem da maneira como iriam acontecer de qualquer maneira, dependendo do acaso e, obviamente, das ações dos indivíduos envolvidos. E a religião tem respostas prontas para qualquer um dos desfechos...
      Assim, as pessoas permanecem confiando nessas jaculatórias sobrenaturais. E parecem temer o efeito que haveria em suas vidas caso as deixassem de lado. É a sempre lembrada "aposta de Pascal": na dúvida sobre a existência de um ser onipotente que controla os eventos de seu trono invisível, melhor ter a certeza de não desagradá-lo caso seja real. Mesmo que isso signifique passar o resto da vida toda tomando uma sopa preparada com uma pedra em seu interior.



[1] http://pt.wikipedia.org/wiki/Sopa_de_pedra

Um comentário:

  1. Sobre a "aposta de pascal", sempre gosto de lembrar das proposições

    1. Se você acredita e, ao morrer, você se defronta com aquilo tudo que esperava; então você ganha.

    2. Se você acredita e, ao morrer, você se depara com algo totalmente diverso com o que você esperava; então você perde.

    3. Se você não acredita e, ao morrer, você encontra algo; então VOCÊ GANHA.

    4. Se você não acredita e, ao morrer, você não encontra nada; então VOCÊ GANHA.

    Creio que é essa a maior lição da "aposta de pascal": nossa chance de ganhar sempre é maior.

    Felipe Lahuski Schneider.

    ResponderExcluir